domingo, 27 de março de 2011

Flanar.

Uma parte grande de mim quer que você morra. Uma parte muito grande de mim tem a sofisticação de o querer morto como um deslize, como um escorrimento, como um desfazimento liquefascente. Uma parte de mim é grande o bastante para vê-lo sumir com gozo, mas outra parte segura na última hora seu rabinho-de-peixe-de-aquário, antes de partir pelo derradeiro ralo. As minhas partes adoram discutir, para chegarem a um desacordo permanente e cíclico, como um orgasmo que você me nega. O ritmo das minhas discussões internas semelha uma cópula. Ganha quem me leva primeiro ao frenesi. Espero. Desespero. Nunca uma chance de me livrar da minha inequívoca caveira. Ela subjaz ao meu discurso, transborda como uma realidade macilenta. Você está no exato lugar em que começo a minha respiração. Sua ausência só pode existir no breve hiato de um suspiro. Ou de um espirro. Preciso de mãos que me tateiem toda, como se precisassem de um mapa. Quero ser um território. Necessárias explorações. Seu trilhar era muito certo, impetuoso, desejava me integrar a seu império. Prefiro o minifúndio. Quero ser uma chácara, um abrigo verde para a calma. Suas entradas e bandeiras me deixavam em lama e sangue. Não, preciso que meus arbustos, água e frutos sejam usados com parcimônia. Deite-se em minha rede. Você não quer, pois seria renunciar ao derradeiro da hora da batalha. Você quer fincar seu mastro, definir padrões. Quero a semente de uma certeza. De uma calma que só um raio de sol fugindo das nuvens molhadas pode permitir. Não quero gelar ossos, mas preciso de um pouco de ausência úmida para aplacar meu abrasamento. Tepidez. Afundar meu corpo um tanto enregelado em um banho-maria. Esse texto era uma vontade de lhe falar, mas acaba sendo a minha opção por mim, sempre. Não tenho como fugir de me querer. E nisso invento o desagrado, o enfado e as imprecisões. O que seria de mim se não fossem as lacunas?

Eros

O tato não é o fato.
Não é a foto.
É autorretrato
feito de muitos tantos
minúsculos bocados.
Centímetros molhados,
milímetros achados
nas trilhas dos pelos
nas peles dos outros.
O tato não é olfato.
É contato direto,
é uma luta de fato
e de direito.
Contrato.
É bordado
tecido ponto a ponto,
de ponta a ponta.
Quando o espelho é quebrado,
o que resta é essa rota,
de olhos vendados.